Rolim de Moura,

Futebol para todos: torcedores se mobilizam por bandeira LGBTQIA+ na arena do Palmeiras
Promessa é de que símbolo da PorcoÍris seja colocado na arquibancada nesta segunda-feira

Era Camila, João Vitor e Mariana. Mas poderia ser José, Gabriela, Bruno ou Bruna. Todos (ou todes) os palmeirenses devem estar representados no fim da tarde desta segunda-feira no Allianz Parque, palco do duelo entre Palmeiras x Atlético-MG, pela 19ª rodada do Campeonato Brasileiro. Por iniciativa dos três primeiros, ao lado de um grupo com o total de 15 palmeirenses, o público LGBTQIA+ vai ter em breve o seu espaço em um estádio de futebol, ainda muitas vezes hostil.

Mesmo em uma arena sem público, um coletivo chamado PorcoÍris, do qual fazem parte Camila Taraborelli, João Vitor e Mariana Mendonça, se encontra sob a expectativa de ver uma bandeira do grupo na arena. A ação, que será definida pelo Palmeiras no dia do jogo, quer abraçar muito mais do que os 15 membros do grupo. O objetivo é expandir a causa, acolher e ratificar: o futebol tem espaço para todos.

— A gente está só começando um espaço. Acho que pode começar a ganhar corpo ou ter sentido quando essa união tiver algum efeito maior. Óbvio que sou grato ao Palmeiras por ter aprovado a bandeira e tomara que ela esteja lá, mas é só um começo. Ainda há um pessoal que não aceita, né? Mas nós estamos aqui, nós vamos falar de futebol e vamos torcer pelo Palmeiras — falou o engenheiro João Vitor, fundador da PorcoÍris.

O coletivo nasceu diante de uma percepção de João Vitor nas redes sociais. Quando clubes, como o Palmeiras, compartilhavam imagens para celebrar casais, havia uma regra: heterossexuais. O palmeirense questionou a postura e rapidamente recebeu uma enxurrada de respostas preconceituosas de outros torcedores. Ali, veio a necessidade de um espaço para abraçar não apenas João, mas Mariana, Camila e tantos outros.

— Tive a ideia de fazer um perfil anônimo para dar essa voz, no sentido que as pessoas dessem um lugar para a gente na torcida. Alguns vieram falar que a gente tinha que "torcer para o time do outro lado do muro" (em alusão ao São Paulo, vizinho de CT do Palmeiras). Mas a gente é palmeirense. Sempre fui palmeirense; aliás, o primeiro da família. A gente precisava marcar esse lugar e deixar uma voz para o torcedor. Queremos falar de futebol — declarou.

O pensamento se assemelha ao da advogada Mariana Mendonça, que conheceu a PorcoÍris pela internet e rapidamente se identificou com companheiros de luta, que, no caso das minorias, une rivais clássicos sob uma mesma bandeira de defesa da igualdade e do espaço LGBTQIA+ dentro do futebol brasileiro.

— Muito antes de me perceber LGBT, eu já me conhecia como palmeirense. É triste pensar que isso acontece e que tem torcedor que enxerga a gente assim, e também até o rival dessa forma. É uma definição que nasceu pelo preconceito contra um jogador no rival e até hoje ele sofre desse preconceito, e o time sofre esse preconceito — reforçou.

A iniciativa PorcoÍris começou há um ano e quer fazer história no Palmeiras ao estampar um espaço da arena com a bandeira LGBTQIA+. Os três palmeirenses são unânimes de que a possível ação surge apenas como um pequeno simbolismo diante de uma longa luta das pessoas no esporte mais popular do planeta.

A peça produzida após uma “vaquinha” dos membros da PorcoÍris está entregue ao departamento de marketing do Palmeiras. Na segunda-feira, antes da partida contra o Atlético-MG, todas as bandeiras serão revisadas pelo clube para, enfim, serem transportadas para o estádio. A expectativa é grande no grupo.

— Sentimento é de pertencimento. Esse clube é meu, esse estádio é meu, essas pessoas são minhas. Essa história é minha, porque tomei como minha. Eu escolhi esse grupo, poderia ter escolhido tantos outros. É esse o sentimento — afirmou a psicóloga Camila Taraborelli.

— Futebol é um meio muito machista e misógino. Quando a gente propõe que o Palmeiras nos proporcione um espaço de segurança para exercermos nossa paixão, acho que o clube valoriza a sua própria história de luta e resistência. Quando um grupo se denomina LGBT, se organiza e se articula para também ter o seu espaço de respeito e proteção dentro do futebol, o Palmeiras deve isso por resgate histórico da marca de luta e construção a partir das minorias — acrescentou.

Pertencimento e segurança foram duas palavras bem repetidas por João, Camila e Mariana durante a conversa com a reportagem do ge. Dentro do estádio, no entanto, esses dois fatores estão distantes da realidade do trio e de membros de minorias. Tais situações, contudo, superam o esporte popular. Além do futebol, o preconceito e a violência contra LGBTQIA+ são pandêmicos no Brasil.

Segundo relatório divulgado em abril pelo Grupo Gay da Bahia, o país teve 329 mortes violentas por homotransfobia em 2019. Ou seja, a cada 26h, uma pessoa morreu no Brasil por homicídio ou suicídio relacionado ao puro preconceito. Os números assustam e influenciam na escolha dos torcedores. Ir ao estádio com o companheiro ou companheira? Nem pensar.

— Não tenho o hábito de ir ao estádio sozinha. Eu tenho medo não só por ser LGBT, mas também por ser mulher. O estádio soa muitas vezes hostil para a mulher, então sempre vou acompanhada, seja em grupo ou com algum namorado. Com namorada, ainda não tive coragem de ir — confessou Mariana Mendonça.

— O ambiente dentro dos estádios envolve muita homofobia, muito preconceito, não é um ambiente seguro para a gente LGBT ou para a gente que é mulher mesmo. Um grupo como esse (PorcoÍris) tem a importância para trazer essa demanda: a gente gosta de futebol, a gente existe, a gente quer torcer e se sentir seguro no estádio, se sentir seguro comentando na internet sobre futebol — disse.

Assim como Mariana, João Vitor também não tem coragem de ir com o marido ao estádio. A homofobia normalizada nos jogos, em xingamentos contra rivais e até cânticos das próprias torcidas, ainda atinge. E dói...

— Em relação aos homens, a coisa é muito mais pesada. Eu pretendo um dia ir ao estádio com o meu marido. O que a gente quer é ter a nossa família, o nosso emprego e ter o nosso time. A gente é Palmeiras. A gente quer participar, só isso — pediu, sob a expectativa de esse desejo começar a virar realidade nesta segunda, com a bandeira representativa no Allianz Parque.

Gostou do conteúdo que você acessou?

Quer saber mais? Faça parte dos nossos grupos de notícias!

Para fazer parte, acesse um dos links adiante para entrar no grupo do WhatsApp ou acessar nosso canal no Telegram

Fonte: GloboEsporte